A este propósito, aqui ficam dois registos musicais, completamente diferentes, mas que considero muito bonitos: "Balada de Outono", do último concerto de Zeca Afonso, no Coliseu dos Recreios, em 29 de Janeiro de 1983;
... E o primeiro andamento de Outono, das Quatro Estações de Vivaldi, conduzido pelo já aqui mencionado Maestro Herbert von Karajan:
Recordo hoje, especialmente hoje, o meu avô. Passam hoje 5 anos sobre a sua morte. Este homem, que nasceu em Pampilhosa do Botão, aldeia perdida entre Aveiro e Coimbra, cedo adoptou Malhada Sorda como a sua terra. O seu corpo aí repousa. Faz hoje 5 anos. Assim, hoje, especialmente hoje, recordo-o com muita saudade. A saudade que sempre fica... passem os anos que passarem.
Por estes dias acontecem também as festas maiores da Freineda, aldeia vizinha de Malhada Sorda, venerando Santa Eufémia.
Se bem me recordo, hoje é dia de arraial e fogo de artifício. Há já muitos anos, quase duas décadas, diria, que não vou a estas festas. Mas tenho ainda bem presentes as memórias de infância das romarias do dia 16, a feira e o farnel partilhado nos "lameiros". Sobre estes dias, e nessas memórias, há duas que imperam: uma, mais visual, a das melancias suculentas. Outra, mais olfactiva, a dos queijos, presuntos e enchidos, de que nos abastecíamos praticamente para o resto do ano. Ambas, plenas de paladar. Ou gula...
Lembro-me ainda de, num ano, teria eu uns 11 ou 12, ter ido ao arraial com os meus primos Natividade, Adriano e Adriana, e da terrível dor de dentes desta última. O pai foi o primeiro a dar-lhe aguardente e cigarros, defendendo que ajudariam a adormecer o mal-estar. Foi a primeira vez que vi a minha prima fumar, e beber aguardente, mas a verdade é que o regresso a Vilar Formoso foi muito mais divertido... Julgo é que o acordar, no dia seguinte, não tenha sido fácil...
Recordo ainda como nesta noite, anos depois e já adolescente, fiquei com o meu casaco cor de rosa queimado por causa da cana de um foguete. Fiquei inconsolável; era o meu casaco de estimação por essa altura, portanto uma das coisas que mais valor tinha para mim. Tanto que amaldiçoei a tal da cana... mas talvez não tanto como a minha mãe, que levou com a cana na cabeça e durante algumas semanas teve que disfarçar a clareira no cabelo...
Porque nos ficam tão profunda e indelevelmente registadas na memória algumas das cenas da nossa vida, por vezes até insignificantes? Adorava saber e compreender melhor os critérios de arquivo deste nosso poderoso computador cerebral...
Bom, para concluir, gostaria ainda de referir que encontrei disponível na internet, em vários sítios até, a imagem do cartaz das festas da Freineda, o que, recordando ainda a "ancestral rivalidade" entre as duas povoações, me fez ter muita pena de não ter encontrado o das festas da Malhada...
Pode parecer paradoxal, mas o facto é que a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) sentiu, em 2007, a necessidade de estabelecer um dia para celebrar a Democracia. E/ou para assinalar "oficialmente" o ainda enorme número de países onde não se sabe o que isso é. Ou até mesmo os países que, "oficialmente" democráticos, a exercem segundo conceitos bem peculiares.
Do grego demo= povo e cracia=governo, ou seja, governo do povo, a democracia é um sistema em que as pessoas (de um país) podem participar da vida política. Esta participação pode ocorrer através do voto, em eleições, plebiscitos e referendos. Numa democracia, as pessoas possuem liberdade de expressão e manifestações de suas opiniões.
Dando largas ao pensamento, podemos concluir que a democracia, ou a falta dela, não é problema que afecte apenas os países. Há outras formas de organização de poder, a vários níveis, e não somente político-administrativos, nas quais esta questão também poderia ser debatida.
Começando por recordar a máxima de Winston Churchill, "a democracia é o pior de todos os regimes, com excepção de todos os outros". Complicado... Mas verdadeiro. Isto porque, e em complemento, citando Desidério Murcho, filósofo, professor e escritor, "a democracia exige uma genuína discussão pública de ideias. Isso só é possível se formos todos um pouco ateus perante as nossas próprias convicções. Chama-se a isso abertura de espírito: a capacidade para avaliar imparcialmente e com boa vontade todas as ideias, por mais ofensivas ou insuportáveis que nos pareçam. Sem isso, a democracia é uma miragem porque o fundamento da sua estrutura decisória não funciona".
No entender de Inês Pedrosa, escritora que muito prezo, "é melhor haver uma democracia pobre, suja, esfarrapada, do que uma ditadura opulenta. A democracia magoa, zanga-nos, dá trabalho - é como o amor. Um infinito de esperança em desilusão permanente. Do mal o menos. Antes um amor magoado do que amor nenhum. A ditadura é esse sossego do amor nenhum - os dias iguais e silenciosos". Não podia estar mais de acordo.
Ainda a propósito daquele 11 de Setembro, agora numa outra abordagem, deixo-vos a abertura da ópera Fidelio, de Beethoven, numa interpretação da Filarmónica de Berlim, magistralmente conduzida pelo saudoso Maestro Herbert von Karajan, e cujo libreto pretende ser um hino aos valores como os da lealdade, da fidelidade e da LIBERDADE.
Estava na Malhada naquele dia, quando, pela hora do almoço, todos os jornais televisivos nos entraram casa adentro com as imagens de uma das maiores e mais incompreensíveis tragédias dos tempos modernos.
Confesso que a minha primeira reacção foi pensar "mais um americano maluco que se espatifou contra a torre na sua avioneta". Em poucos segundos, a realidade foi-se revelando mais assustadora, sobretudo com as imagens do embate contra a segunda torre. E depois, aquela indescritivel sensação aquando da ruina dos edifícios. Pela forma e pelo símbolo. O World Trade Centre era um dos ícones americanos da Liberdade, transformado em pó, assim, daquela maneira, quase que num estalar de dedos.
Claro que todo o resto do dia, da noite, e dos dias seguintes, passeio-os praticamente colada à televisão. Um êxtase de comunhão universal, mas pelas piores razões.
Três anos mais tarde, visitei o local, ainda uma enorme cratera, apesar de toda a limpeza heroicamente feita de toda aquela área. Mas, o que mais me impressionou, não foi o que vi. De certa forma, as imagens da tragédia que foram passando funcionaram como um antídoto para o choque do estar ali, naquele mesmo sítio, onde todo aquele horror tinha acontecido.
O que mais me chocou foi o cheiro. Um cheiro misturado de odores de queimado, de ferro quente, de fuligem, de gordura, de cabelo, e outros compostos que não sei explicar. Um cheiro de raiva, de ódio, de desespero e de resignação. Um cheiro que nos atinge e se nos entranha como uma bala perfurante e assim fica guardado no nosso arquivo sensorial. Um cheiro que permaneceu, pelo menos até essa altura, durante três anos.
O mesmo cheiro, o mesmíssimo, que encontrei impregnado em Auschwitz, anos antes, e que aí permanece, indefectível, passadas mais de seis décadas dessa outra atrocidade.
Oito anos depois daquele 11 de Setembro, o nó continua na garganta. Teorias sobre o que aconteceu há muitas nesta história; mãos limpas, nenhuma. Mas a memória, desta como de outras tragédias, não se poderá jamais apagar.
Depois do fogo, certamente um espectáculo no Largo do Ribeiro continuará a noite, passado que fica também o tradicional concerto da filarmónica visitante. Não sei quem são os artistas este ano. É pena o site da Junta não ter o programa dos festejos, religiosos e profanos. Mas a noite não se pode esticar em demasia. Pela manhã, bem cedo ainda, a tradição manda o povo da terra rumar novamente à Capela da Senhora da Ajuda, nos melhores fatos domingueiros, para missa solene, volta ao reduto e último adeus. A imagem recolhe então à sua Capela, sob uma trovoada de foguetes (cá está, sempre o fogo como elemento da festa). Crente ou não, é difícil permanecer insensível às manifestações de fé dos populares e conter um tremor ou uma lágrima. A festa religiosa termina, por ora, até ao próximo ano. Mas à tarde a outra festa, a profana, continua, com as "ressalvas", visitas às casas dos elementos das comissões de festas, do ano e do seguinte (os "mordomos", 4 rapazes e 4 raparigas solteiros/as, é a exigência), acompanhadas de música, comida e bebida (muita!!!!), até ao baile que fechará a noite, ou a madrugada, consoante os dotes dos dançarinos. Depois..., bem depois é só para o ano...
Por esta altura estará a terminar o costumeiro fogo de artifício da Festa. Lembro-me de o ver no Largo do Ribeiro, depois no terreiro da Capela, há alguns anos no Picoto, mais distante (ai que jeito dava a varanda dos pais da Isabel e da Antónia!!! E lembro-me de pensar tantas vezes no fascínio que a pirotecnia exerce sobre nós. Podem ser sempre as mesmas figuras, no caso do fogo preso, as misturas de cores mais exóticas ou os piromusicais, mas sempre, sempre, teremos um "aaaahhhhhhh!!!!!!" preso na garganta (ou não...). Não há festa sem foguetes. Já os morteiros de alvorada, esses dispensáva-os bem :-))))))))...
Uma grande lista que aqui vos deixo, e acreditem que não é de todo exaustiva:
- Vila Nova de Cerveira - Porto (capela do Senhor e da Senhora d'Ajuda) - Arruda dos Vinhos - Espinho - Moreira de Cónegos - Ribeira Grande, São Miguel, Açores - Bretanha, São Miguel, Açores - Gaeiras, Leiria - Itaporanga, Brasil - Ilha do Governador, Brasil - Cachoeira, Bahia, Brasil - Guapimirim, Brasil - Arraial d'Ajuda, Brasil
segunda-feira, 7 de setembro de 2009
Entre os dias 5 e 9 de Setembro, Malhada Sorda adquire uma vida muito especial. É "A Festa" a marcar o calendário dos eventos religiosos e sociais locais, como "O Natal", "A Páscoa" ou "Os Santos".
"Vens À Festa", a frase proferida em tom afirmativo, na maioria das vezes, sem admitir contraditório; ou interrogativo, raras vezes, é sinónimo de um momento de grande partilha nos usos e costumes ancestrais de Malhada Sorda.
Especialmente hoje, dia 7 de Setembro, Malhada Sorda acordou diferente. Engalanada para A Festa. recebendo com hospitalidade os milhares de peregrinos que lhe chegam um pouco de todo o lado, tantos e tantos a pé. Desde as primeiras horas da manhã, os sons dos cânticos religiosos misturam-se com os cheiros das tendas de comida, com as cores dos bens dos feirantes, com os paladares das especialidades gastronómicas dos dias de festa. Em tudo, uma experiência tão sensorial como extra-sensorial é partilhada por todos, nativos, peregrinos, visitantes...
Mais tarde, será a procissão, levando a imagem de Nossa Senhora da Ajuda (na foto acima, publicada na capa do Boletim nº 667 de "Rosário e Vida Cristã"), da sua Capela até à Igreja Matriz.
Este ano, não irei À Festa. Será, que me lembre, a segunda vez, ao longo de mais de 35 anos.
Vou ter saudades.
Brevemente, conto aqui partilhar a lenda da imagem da Senhora da Ajuda venerada em Malhada Sorda. Um apontamento histórico, sociológico e antropológico muito interessante. Curiosamente, a Senhora da Ajuda, com imagens semelhantes ou completamente distintas, é igualmente venerada, por estes mesmos dias, em diversas localidades de Norte a Sul do País (como por exemplo em Vila Nova de Cerveira), e também em muitas povoações do Brasil.Mas esta será estória para outro apontamento.
Entretanto, deixo-vos o Hino a Nossa Senhora da Ajuda (não sei os autores, mas vou tentar descobrir).
Nossa Senhora da Ajuda Mãe que nos vela dos céus Olhai-nos sempre na vida Conduzi-nos até Deus!
Ouvi a prece final De um povo que vos implora Ajudai-nos Ó Senhora Salvai-nos de todo o mal
De quantas almas aflitas Não tendes, ó mãe de amor. Sido amparo, nas desdita remédio à sua dor!
Invocar-vos, Ó Senhor é pleito da nossa voz: Sede a nossa protectora Sorri-nos, velai por nós.
A Vossos Pés nos rendemos. Mãe e Raínha sem par: - Bem junto a Vós nos queremos, Só presos ao Vosso olhar!
Retomando um assunto aqui já anteriormente referido, transcrevo informação disponibilizada pela CultDigest:
Almeida Candidata a Património Mundial 31-8-2009
A Câmara Municipal de Almeida anunciou a entrega, este mês, no Ministério dos Negócios Estrangeiros, do dossier de candidatura da antiga praça-forte da vila fronteiriça a Património Mundial.
Esta candidatura está integrada num processo que envolve outras fortificações abaluartadas da raia luso-espanhola, nomeadamente Elvas, Valença, Estremoz e Mação (Portugal), Ciudad Rodrigo, Olivença e Badajoz (Espanha).
A antiga praça-forte é candidata a receber o galardão de Património da Humanidade, a atribuir pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para Ciência, Educação e Cultura), pois possui muralhas que são consideradas das melhores conservadas da Europa e umas ´Casamatas` (construções subterrâneas à prova de bomba) únicas no Mundo.
A fortaleza militar de Almeida, rodeada por um fosso, foi construída nos séculos XVII e XVIII. Tem forma hexagonal e é constituída por seis baluartes (S. Francisco, S. Pedro, Santo António, de Nossa Senhora das Brotas ou do Trem, de Santa Bárbara e de S. João de Deus) e igual número de revelins (da Cruz, dos Amores, da Brecha, de Santo António, do Paiol Doble ou Hospital de Sangue).
A antiga praça-forte de Almeida, localizada perto da linha de fronteira com Espanha, é considerada uma "jóia" da arquitectura militar abaluartada.
A vila faz parte do Programa das Aldeias Históricas de Portugal, lançado pelo actual Presidente da República, Cavaco Silva, quando ocupou o cargo de primeiro-ministro.