Estava na Malhada naquele dia, quando, pela hora do almoço, todos os jornais televisivos nos entraram casa adentro com as imagens de uma das maiores e mais incompreensíveis tragédias dos tempos modernos.
Confesso que a minha primeira reacção foi pensar "mais um americano maluco que se espatifou contra a torre na sua avioneta". Em poucos segundos, a realidade foi-se revelando mais assustadora, sobretudo com as imagens do embate contra a segunda torre. E depois, aquela indescritivel sensação aquando da ruina dos edifícios. Pela forma e pelo símbolo. O World Trade Centre era um dos ícones americanos da Liberdade, transformado em pó, assim, daquela maneira, quase que num estalar de dedos.
Claro que todo o resto do dia, da noite, e dos dias seguintes, passeio-os praticamente colada à televisão. Um êxtase de comunhão universal, mas pelas piores razões.
Três anos mais tarde, visitei o local, ainda uma enorme cratera, apesar de toda a limpeza heroicamente feita de toda aquela área. Mas, o que mais me impressionou, não foi o que vi. De certa forma, as imagens da tragédia que foram passando funcionaram como um antídoto para o choque do estar ali, naquele mesmo sítio, onde todo aquele horror tinha acontecido.
O que mais me chocou foi o cheiro. Um cheiro misturado de odores de queimado, de ferro quente, de fuligem, de gordura, de cabelo, e outros compostos que não sei explicar. Um cheiro de raiva, de ódio, de desespero e de resignação. Um cheiro que nos atinge e se nos entranha como uma bala perfurante e assim fica guardado no nosso arquivo sensorial. Um cheiro que permaneceu, pelo menos até essa altura, durante três anos.
O mesmo cheiro, o mesmíssimo, que encontrei impregnado em Auschwitz, anos antes, e que aí permanece, indefectível, passadas mais de seis décadas dessa outra atrocidade.
Oito anos depois daquele 11 de Setembro, o nó continua na garganta. Teorias sobre o que aconteceu há muitas nesta história; mãos limpas, nenhuma. Mas a memória, desta como de outras tragédias, não se poderá jamais apagar.
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